O termo "berrão", como se designa o porco inteiro por castrar, foi tomado pelos arqueólogos para designar as estátuas zoomórficas de pedra representando porcos, touros e outros animais.O povo chama berrões (os espanhóis verracos) aos porcos inteiros ou de cobrição.Os arqueólogos tomaram esta palavra como designação geral das estátuas proto-históricas zoomórficas de pedra, representando especialmente porcos e touros.No nordeste de Portugal conhecem-se até agora 49 dessas estátuas, sendo 37 de porcos, 3 de javalis, 7 de touros, 1 de bode e 1 de urso. Dessas 49, são transmontanas 45 e 4 logo a sul do rio Douro perto da fronteira.São quase todas de granito, menos a chamada Berroinha da Açoreira (Moncorvo) que é de talco, e o porco da Fonte de Linhares (Carrazeda de Ansiães), desaparecido, que era de mármore.Apenas 9 se conservam íntegros. Os outros foram mais ou menos mutilados. Alguns são mesmo verdadeiros destroços. As estátuas que se conservam inteiras ou aquelas de que resta a parte traseira têm, quase todas, os caracteres do sexo masculino bem patentes; isto é, são estátuas de machos.De 27 dessas estátuas sabe-se, averiguadamente, que foram encontradas em castros. As outras é bem possível que tenham tido a mesma origem.São exemplos a chamada Porca da Vila, de Bragança, e a célebre Porca de Murça. Note-se que ambas estas estátuas são machos, a primeira representa um urso, e a segunda, embora alguns autores antigos a refiram como urso, a sua morfologia leva-nos a considerá-la mais como porco. Refira-se ainda a titulo de exemplo os 15 berrões do castro do Monte de Sta Luzia (Freixo de Espada-à-Cinta), 13 porcos e 2 touros, alguns muito mutilados. Os 7 berrões das Cabanas (Moncorvo), grandes porcos de granito, encontrados perto da confluência da Ribeira da Vilariça com o rio Sabor. Refira-se o grande berrão de Picote, descoberto em 1952 num recinto de parede circular com cerca de 3 metros de diâmetro, seguido de um corredor de 9 metros de comprido por metro e meio de largura.Especialmente no corredor, na escavação feita em 1952 e 1953, apareceram muitos ossos de boi, de cabra ou ovelha, alguns, poucos, de porco, e menos ainda de coelho.A posição do berrão, a meio do recinto circular, voltado para o corredor, e a natureza dos ossos, considerados restos de comida, levam a crer que naquele monumento era prestado culto ao porco.O achado de Picote, único caso em que o berrão foi achado in loco, permite considerá-lo como um ídolo, ou divindade, a quem se prestaria culto como animal sagrado.Quanto à cronologia e etnologia, passados em revista os pareceres que tem sido formulados por vários autores, poder-se-a considerar a cultura dos berrões como pré-céltica e devida aos Draganos.Algumas conclusões:A quantidade de berrões, no nordeste do nosso país, nada menos de 49, a monumentalidade de alguns, com 2 metros de comprimento, e, por outro lado, a pequenez de outros, verdadeiras estatuetas votivas, levam, imediatamente, a pensar que tais berrões, grandes e pequenos, constituem claras manifestações de um velho culto zoolátrico, no qual certos animais eram considerados sagrados, possuindo, seguramente, mágico poder tutelar.Ao observar as estatuas de pedra de que nos ocupamos, algumas pequenas e outras reproduzindo em tamanho natural porcos, javalis, touros e ursos, imediatamente ocorre que algo de importante e muito ponderoso deve ter influenciado a modelação de tais estátuas.A veneração e consequente adoração dos animais deve ter começado naturalmente, por uma atitude de reconhecido agradecimento do homem pelos benefícios por eles prodigializados.O culto por certos animais é possível seja reminiscência de velho totemismo. No que respeita aos porcos de pedra de Trás-os-Montes não me parece hipótese a considerar.Tótem, como é bem sabido, é a coisa, ser vivo animal ou planta, região ou acidente geográfico, porção de matéria inanimada ou entidade astral, que é considerada como o tronco inicial, remoto, de um grupo de homens, o grupo totémico.O tótem, em primeiro lugar, é pois o antepassado do grupo, em segundo lugar é o seu espírito protector, o seu benfeitor, que envia oráculos e, mesmo quando é perigoso para os outros, conhece e poupa os seus filhos.As pessoas de determinado tótem, respeitam-no e tem para com ele deveres e obrigações sagradas, cuja violação acarreta castigo eminente.Tais obrigações exigem respeito formal e categórico pelo tótem o que implica não o molestar, não lhe causar o menor dano, e muito menos matá-lo. Consequentemente é rígido tabu comer a sua carne.Parece mais lógico admitir que o culto das gentes por certos animais, porco, touro e bode ou cabra, o seja como reflexo de reconhecimento e gratidão pelos benefícios e proveitos recebidos.Ora o porco, animal de fácil criação em domesticidade estabular ou em regime de pastoreio, à vezeira, é, sem dúvida, ainda hoje, o animal mais prestadio da culinária transmontana.A carne de porco, quer fresca, nas febras, nos rijões e no lombo assado, quer curada nas linguiças, nos salsichões e nos presuntos, é altamente apreciada. A superioridade culinária da mesma é celebrada pelo povo de Trás-os-Montes quando afirma: "Das carnes o carneiro, das aves a perdiz, e, sobretudo a codorniz, mas se o porco voara não havia carne que lhe chegara".O achado do grande berrão de Picote, de pé, a meio da câmara circular do monumento em forma de palmatória, câmara seguida de um corredor cuja escavação forneceu numerosos fragmentos de animais vários e também pedaços de louça de barro, vasos e pratos, encontrados especialmente no corredor, atesta, sem a menor dúvida, que aquele porco se pode considerar um ídolo, ao qual se prestaria culto em cerimónias rituais com deposição de oferendas.O notável achado de Picote, infelizmente destruído, atesta, seguramente, a existência de um velho culto prestado ao porco.Pelo conjunto de circunstância daquele achado pode concluir-se que o monumento de Picote era, como que um templo, em que se prestava o culto ao porco divinizado.Suponho não ser ousado atribuir significado zoolátrico às estátuas dos berrões, muitas delas averiguadamente originárias dos nossos castros transmontanos, pelo que se poderá generalizar a mesma origem a todos os berrões, e, daí, tal zoolatria ser de origem essencialmente originária daquela zona castreja transmontana.Com os elementos de que actualmente dispomos não se pode dizer que tal culto estaria ligado só à defesa dos gados e à magia dos pastos e da reprodução, como queria Cabré em face dos exemplares de touros que encontrou nas Cojotas, num recinto de encerramento de gados.
Este distinto arqueólogo espanhol afirmou não lhe restarem dúvidas quanto a tais berrões corresponderem a culto de magia protectora dos gados. Tais estátuas teriam a finalidade de esconjurar calamidades, roubos, doenças e outros malefícios a que estão sujeitos os animais das manadas ou rebanhos.Esta hipótese de significado exclusivamente ganadeiro tem, desde já, um argumento contra: é a interpretação de uma das legendas em caracteres ibéricos gravada num dos verracos de las Cojotas, que foi traduzida assim: "Deus porco bravo protector da cidade de Adoja" .Nesta leitura, que poderá, no entanto, considerar-se hipotética, há um sentido lato de deus protector da cidade.Porque havemos de restringir a sua acção protectora só aos gados e não considerar a sua influência tutelar extensiva às gentes, suas pessoas e casas, a todos os seus haveres e, consequentemente também aos seus gados?O facto de esculpir em granito rude as estátuas zoomórficas dos berrões, alguns de proporções avantajadas, pois chegam a atingir os dois metros de comprimento, deve corresponder a uma intenção séria e reflecte, seguramente, um estado de espírito da colectividade, coordenador dos esforços conducentes ao arranque, desbaste, e modelação da pedra em estátuas, a que se seguiria o seu transporte e assentamento dentro do recinto muralhado do castro. E já não aludo ao monumento no género do de castro do Poio de Picote, de câmara circular e corredor, que talvez tivesse réplicas para instalação dos berrões que, averiguadamente, tem sido achados em castros.
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