A mais antiga referência à igreja de São Lourenço de Almancil surge em 1672 no Livro da sua freguesia (São João da Venda). A traça do templo, de nave única com altares laterais e capela-mor coberta por cúpula esférica, deverá remontar ao final do século XVII ou princípios do seguinte, uma vez que os painéis de azulejo, que revestem integralmente o templo, apresentam a data de 1730.
Se o exterior da igreja é relativamente sóbrio - alçado principal rematado por frontão triangular e pórtico de linhas rectas, ao qual se sobrepõe um janelão de frontão interrompido -, o interior vive do brilho cerâmico dos azulejos azuis e brancos, de tal forma que Santos Simões a definiu como "igreja de louça" (SIMÕES, 1949, p. 2). De facto, o revestimento é interrompido, somente, pela cantaria que define o arco triunfal, e pelo brilho dourado da cimalha que percorre o templo e do retábulo-mor, em talha dourada de Estilo Nacional.
A importância da obra fez com que o seu autor assinasse e datasse os painéis. Assim, sabemos que foram executados em 1730 por Policarpo de Oliveira Bernardes (um dos expoentes máximos do intitulado "ciclo dos Grandes Mestres"), e encomendados pelo Vigário Geral, Reverendo Doutor Manuel de Sousa Teixeira. Contudo, a autoria dos painéis das paredes da nave tem vindo a ser contestada e atribuída a um outro autor, ainda não identificado, mas próximo de Bernardes (MECO, 1989, p. 84).
Os oito painéis da nave representam cenas da vida de São Lourenço, sendo que os pilares exibem um conjunto de alegorias às Virtudes - Liberdade, Pobreza, Castidade, Obediência, Piedade, Paciência, Temor a Deus, Entendimento, Humildade, Preserverança, Justiça e Verdade, as duas últimas de dimensões superiores.
Na capela-mor encontram-se novamente cenas alusivas à vida de São Lourenço, orago da igreja. Este, foi martirizado em Roma no ano de 258, por ter ousado desafiar o imperador Décio ao não devolver o tesouro da igreja de que era diácono. Na realidade, São Lourenço distribuíra o ouro pelos pobres e nada sobrara para o Imperador, que furioso o mandou flagelar com varas, queimar as costas com um ferro quente e, por fim, estender-se sobre um manto de brasas (RÉAU, 1997, vol. 4, p.255). Na cúpula, que assenta sobre trompas onde figuram anjos com símbolos do martírio, São Lourenço é conduzido ao céu.
Estamos, pois, em presença de um programa iconográfico que articula a temática da nave com a da capela-mor, ao realçar, não apenas a vida e caridade do santo, mas também as virtudes através das quais se alcança a santidade e, por conseguinte, a vida para além da morte. Nas cúpulas, e para além da experiência adquirida noutras obras suas e de seu pai (António de Oliveira Bernardes), este pintor de azulejos tira partido dos efeitos cenográficos, que denotam o eventual recurso a tratados de cenografia e perspectiva, mais eruditos (ARRUDA, 1989, p. 25).
Se durante algum tempo a historiografia portuguesa considerou este mestre, apenas como um discípulo do seu pai, a igreja de Almancil é bem um exemplo da importância e relevância da sua actividade, de características próprias e bem definidas (MECO, 1986, p. 225). Com esta obra, Policarpo assumiu uma vertente mais elaboradas, patente nos painéis posteriores a 1730 e que privilegiou os revestimentos integrais dos espaços. A igreja da Misericórdia de Viana do Castelo, a capela de Nossa Senhora da Conceição de Loulé, a igreja de São Francisco de Faro, o Forte de São Filipe em Setúbal ou o Santuário dos Remédios em Peniche (SIMÕES, 1949, p. 2; MECO, 1986, p. 84) constituem exemplos de obras suas (mais recuadas ou da mesma época) com as quais a igreja de Almancil pode ser cotejada.
(Rosário Carvalho)
http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/detail/72985/